Por: Pe. José Assis Pereira Soares - Paróquia de N. Sra. de Fátima, Campina Grande
Neste Quinto Domingo da Páscoa contemplamos a partir da
experiência pascal e com a fé na ressurreição de Jesus, as afirmações
feitas por Ele cercado pelos seus apóstolos na noite antes de sua morte
(cf. Jo 15,1-8). São palavras que poderíamos considerá-las como últimas
recomendações e aquilo que se diz no momento de despedida têm força
especial.
Em clima de intimidade Jesus lhes diz de si mesmo: “Eu sou a
verdadeira videira e meu Pai é o agricultor” (Jo 15,1) e aos discípulos
diz: “Eu sou a videira e vós os ramos. Aquele que permanece em mim e eu
nele produz muito fruto; porque, sem mim, nada podeis fazer”. (Jo 15, 5)
Jesus não diz o que foi ou o que será, pois Ele é a verdadeira videira,
a que dá fruto. Jesus vive e dele vem a seiva que mantém unidos os
ramos em vista da mesma função: “dar fruto”. No evangelho de João, "dar
fruto" significa levar à maturidade a missão de Cristo, empenhar-se para
que a comunidade continue unida ao Senhor, deixando que seja Ele que
inspire toda sua organização e lhe infunda vida.
Jesus se apresenta com uma imagem que era tradicional na Bíblia, a da
“vinha”. O pano de fundo para esta solene afirmação de Jesus, bem
poderia ser a representação de uma videira de ouro com ramos e cachos,
que segundo conta o historiador da época Flávio Josefo, estava
representada sobre a porta principal do Templo.
A imagem bíblica da “videira” designava o povo de Israel. “A videira,
que cresce exuberante em terras quentes, cujos frutos dão bebida
fortificante, excitante e consumida exageradamente, embriagante,
tornou-se no oriente antigo imagem eloquente para o bem-estar e a
riqueza... A vinha e a plantação de uvas eram imagem bíblica para dizer o
povo eleito (cf. Os 10,1; Is 5,1-7; Jr 2,21; Ez 15,1-8; 19,10-14). ‘A
vinha do Senhor é a casa de Israel, e os homens de Judá são a sua
plantação preciosa’ (Is 5,7)... Ponto alto da simbologia da vinha temos
na parábola de Jesus acerca do dono da vinha, que plantou a vinha,
cerco-a e concedeu-a, ao partir para uma viagem, a empreiteiros. Quando,
por ocasião da colheita, veio exigir os frutos, os empreiteiros
maltrataram e mataram os servos enviados pelo dono da vinha. ‘Por fim,
enviou-lhes o seu filho’, mas eles o agarraram, lançaram fora da vinha e
o mataram (cf. Mt 21,33-39). O Filho do dono da vinha não é nenhum
outro a não ser Jesus Cristo. Mas este não é apenas Filho de Deus, mas
também ‘o’ Filho do Homem, e assim pode falar de si mesmo: ‘Eu sou a
verdadeira videira’.”(Lurker, 1993.)
No “canto da vinha” (cf. Is. 5,1-7) o profeta Isaías ressalta que a
vinha era a casa de Israel, era o povo de Deus e que Ele esperava que
ela produzisse frutos de justiça e sabemos que a vinha só deu apenas
uvas azedas, portanto ela deve ser arrancada. Mas, Deus arrancará a sua
vinha? Devemos dizer a partir da teologia de João, que a resposta a esse
canto é diferente; não é necessário que Deus arranque a vinha: Jesus
vai se apresentar como a chave curativa para que a vinha produza bons
frutos. Ele se apresenta como a autêntica videira, que com os seus
discípulos forma uma unidade vital. Jesus inaugura um novo povo de Deus
que possa unido a Ele dar bom fruto.
Meu Pai, diz Jesus, é um agricultor. Deus é o “divino agricultor” que
nos cultiva e quer ver nosso crescimento como os melhores pais que
acompanham o crescimento de seus filhos e filhas celebrando cada nova
conquista. Porém, nós bem o sabemos que todo crescimento é sempre
acompanhado de tensões e crises. Tanto no campo fisiológico, como
social, político ou espiritual. As tensões que atravessamos hoje podem
revelar-se fecundas e construtivas, contanto que sejam vistas no amor e
sem ressentimentos. Deus nos criou com inúmeras capacidades,
potencialidades e possibilidades a serem desenvolvidas. Quando um ser
humano é impedido de crescer, o projeto de Deus fica frustrado. É muito
grave alguém ter inteligência e não ter condições de aprender, alguém
ser criado com capacidade de amar e ficar bloqueado porque foi cercado
de ódio e violência. Quem ajuda alguém a crescer é como um agricultor ou
jardineiro de Deus.
Deus é exigente porque sabe o quanto somos preciosos, afinal fomos
criados à sua imagem. “Toda videira que em mim não dá fruto, o
agricultor corta-a, e toda a que dá fruto, poda-a, para que dê mais
fruto”. (cf. Jo 15,2) “Podar” nos diz o dicionário, é cortar os ramos
das árvores ou plantas, aparar, eliminar os excessos, o supérfluo,
desbastar para que deem fruto com mais vigor. Na linguagem bíblica podar
significa também “purificar”. A poda é um procedimento necessário para
que se produza fruto. É preciso fazer a poda, isto é, limpar os galhos
das impurezas, retirarem-lhe o supérfluo que impede a brotação. Esta
imagem tão rica em simbolismo já nos diz que a poda não é um ato hostil
para com a planta. O agricultor espera ainda muito dela, sabe que pode
dar frutos, tem confiança nela.
O mesmo ocorre com cada um de nós. Necessitamos sofrer um processo de
poda, de limpeza, de retirada do supérfluo para que a seiva do amor de
Cristo circule forte e livremente e manifeste-se em frutos. Quando Deus
intervém em nossa vida com a cruz, não quer dizer que esteja irritado
conosco. Justamente o contrário. O agricultor poda a videira por um
motivo muito simples: se não é podada, a força da vinha se desperdiça,
dará talvez mais frutos que o devido, com a consequência que nem todos
amadureçam. O mesmo ocorre em nossa vida. Viver é podar, é fazer
escolhas e fazer escolhas é também renunciar algo. A pessoa que na vida
cultiva uma infinidade de interesses, se dispersa; não sobressairá em
nada. Deve-se ter o valor de fazer escolhas, de deixar à parte alguns
interesses secundários para concentrar-se em outros.
A poda aplicada a nossa vida quer dizer que devemos tirar todo o
supérfluo. Isto é ainda mais verdadeiro na vida espiritual. A santidade
se parece com a arte de podar ou de “esculpir”. Leonardo da Vinci
definiu a escultura como “a arte de tirar”: tirar os pedaços de mármore
ou de madeira que estão demais para que surja a figura que se tem na
mente. Também a perfeição cristã se obtém assim, tirando, fazendo cair
os pedaços inúteis, isto é, ambições, projetos e tendências que nos
dispersam por todas as partes e não nos deixam acabar nada. É o que os
mestres espirituais chamavam a necessidade de mortificação, de ascese,
para chegar à “via unitiva”, a unir-se a Cristo com a alma limpa e
incendiada de amor. Porque a verdade é que Cristo é a pureza, a
misericórdia, a justiça, o amor, a verdade, enquanto nós tendemos
facilmente a sermos mentirosos, impuros, injustos, egoístas. Por isso,
nosso Deus poda-nos em nosso diário e rotineiro viver e nos poda às
vezes, mediante provas inesperadas, dolorosas e difíceis. Devemos
aceitar sempre com humildade e gratidão a poda de nosso Pai; assim os
ramos de nossa alma poderão dar cada dia um fruto maduro e melhor.
Alguém já disse que uma forte tentação no caminho da vida é “o
cansaço dos bons”. O cansaço daqueles que, por algum tempo, se dedicaram
a praticar o bem. É um cansaço que se pode traduzir em certo desencanto
ante tanta luta e tão poucos frutos, tão pouco avanço; é um cansaço que
se identifica com o abandono dos grandes ideais e projetos; é um
cansaço que vem terminar em preguiça, covardia e esterilidade da alma.
Como fugir de tão grande desgraça? Renovar cada dia o esforço por "dar
frutos" ou o propósito do Papa João XXIII: “hei de ser bom!”
O mundo, a Igreja, minha família, as pessoas que mais quero e mais me
querem necessitam de mim, necessitam de minha colaboração, estão à
espera do melhor de mim. Não posso deixar de dar frutos sob pena de
morrer espiritualmente. A vida espiritual se converte assim na
permanente e total doação de si mesmo por amor a Deus e a serviço dos
irmãos. Dar frutos é uma lei da vida cristã. É uma exigência para todo o
que vive unido a Cristo. Um modo bonito de dar fruto é conduzir outras
pessoas para Deus. E isto está à mão de todos nós. Uns mais, outros
menos, todos temos a possibilidade de levar outros a Deus. Dizia Madre
Teresa de Calcutá: "O maior serviço que podeis fazer a alguém é
conduzi-lo para que conheça Jesus, para que o escute e o siga, porque só
Jesus pode satisfazer a sede de felicidade do coração humano, para que
fomos criados".
Façamos um profundo exame de consciência e comprovaremos como muitos
bons frutos não florescem em nossa vida porque o impedem nossas
supérfluas manias, temores, covardias, egoísmos e más inclinações. A
nível individual precisamos de uma poda de conversão. Temos lenha seca a
mais e falta seiva jovem e vida nova do espírito. Perguntemo-nos: Quais
são as podas ou momentos difíceis que passei em minha vida e que me
ajudaram a crescer?
Eu creio que também hoje nosso Deus, necessita podar a sua igreja,
“como agricultor da vinha que é, Deus encarrega-se de fazer a poda dos
ramos na Igreja de Cristo por meio da perseguição e das tribulações. Nós
temos de colaborar facilitando a tarefa da poda da riqueza armazenada,
do boato e da soberba, do poder e influências, do lucro, da vaidade e do
aplauso. Tudo isto a nível comunitário” (Caballero, 2001.) para que a
Igreja se livre de gestos e ações supérfluas. É verdade que a Igreja
somos todos nós, mas uns somos membros da Igreja mais visíveis que
outros. Quais são as podas ou momentos difíceis que passamos em nossa
comunidade que nos ajudaram a crescer? O que mantém viva uma planta,
capaz de dar frutos, é a seiva que a atravessa. Qual é a seiva que está
presente em nossa comunidade e a mantém viva capaz de dar frutos? Todos
necessitamos poda, mas os membros mais visíveis da Igreja de Cristo
necessitam com mais urgência a poda que quer nosso bom Pai. Porque a
Igreja de Cristo não só deve ser santa, mas parecê-lo. E hoje são muitos
cristãos e gente em geral, que vêm na Igreja de Cristo muitos gestos e
ações supérfluas e desnecessárias.
Senhor, somos tua vinha, tua Igreja que tanto amas. Purifica-nos, com
a poda do teu Espírito para que possamos permanecer unidos ao teu amor e
produzir frutos abundantes.
Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Lurker, Manfred. Dicionário de Figuras e Símbolos Bíblicos. São Paulo, Paulus, 1993.
Caballero, B. A Palavra de cada Domingo – Ano B. Apelação (Portugal), Paulus, 2001.
Disponível no site da Diocese de Campina Grande
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