Por Pe. José Assis Pereira Soares, da Paróquia de N. Sra. de Fátima, bairro da Palmeira, em Campina Grande.
“O templo de Deus que está no céu se abriu, e apareceu no templo a
arca da sua aliança.” (Ap 11,19) A liturgia da Festa da Assunção da
Virgem Maria ao céu nos permite fazer esta experiência, contemplar
Maria, vê-la no interior do espaço divino como a Arca que contém Deus.
“A Arca do Antigo Testamento era sinal da presença de Deus entre o seu
Povo; no seu interior, guardava-se a sua Palavra, resumida nas Tábuas da
Lei. Menciona-se hoje esta passagem porque Maria é a Arca da Nova
Aliança, em cujo seio o Filho de Deus, o Verbo, a Palavra de Deus feita
carne, habitou durante nove meses, e que, com a sua assunção aos céus,
encontrou a sua morada definitiva no seio da Santíssima Trindade. Conta
uma antiga tradição judaica que, quando Jerusalém foi destruída pelos
exércitos da Babilônia, o profeta Jeremias retirou a Arca e escondeu-a
em algum lugar secreto. Desde então não se voltou a ter nenhuma notícia
dela. São João conta-nos que a viu no Céu.” (Carvajal, 1992.) É Maria a
Arca da Nova Aliança, a portadora de Cristo, a “Theotokos” (Mãe de
Deus). A liturgia desta festa da Assunção de Maria ao céu fala do
agradecimento do amor de Maria dado de maneira incondicional no seu sim a
Deus e à humanidade.
O conceito de “relação” pode nos servir para estabelecer um laço de
união entre os textos da festa da Assunção de Maria. A relação de Maria
com a Igreja na imagem é sinal da mulher do Apocalípse. Como o Papa
Paulo VI a chamou “mãe, filha e irmã”: “Ó Maria, faz com que esta
Igreja, que é de Jesus e tua, como ela mesma se define, te reconheça
como sua Mãe e Filha e Irmã eleita, como seu modelo incomparável, a sua
glória, a sua alegria e a sua esperança”. (Tavard, 1999.) A relação de
Maria com seu Filho Jesus Ressuscitado descrito pelo apóstolo Paulo na
Carta aos Coríntios: “A Assunção de Maria é uma preciosa antecipação da
nossa ressurreição e baseia-se na ressurreição de Cristo, que
transformará nosso corpo corruptível, fazendo-o semelhante ao seu corpo
glorioso.” (cf. Fl 3,21) (Ibid. Carvajal.) e a relação de Maria com Deus
na oração do “Magnificat” do texto do evangelho segundo Lucas, como
falou o Papa João Paulo II: “As palavras do Magnificat de Maria têm um
conteúdo profético que se relaciona não só com o passado de Israel, mas
também com todo o futuro do povo de Deus na terra.” (Dives in
Misericordia, n. 10)
“Um sinal grandioso apareceu no céu: uma Mulher vestida com o sol,
tendo a lua sob os pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas,
estava grávida e gritava, entre as dores do parto, atormentada para dar à
luz.” (Ap 12,1-2) O autor do quarto evangelho e vidente no Apocalípse
fala com frequência com uma linguagem feita de “sinais”. É uma coisa
curiosa que no evangelho, no primeiro “sinal” que Jesus realiza nas
bodas de Caná (cf. Jo 2, 1-12) ou no último sinal, apareça a figura da
“mulher”. Em Caná intercedendo pelos noivos e no Apocalípse enfrentando o
dragão. Em ambos os sinais sua intervenção é providencial.
A Igreja sempre interpretou a imagem desta mulher, ora como Israel,
ora como a Igreja, a nova comunidade que gera filhos para uma vida nova
ao longo da história ou também como Maria, a filha dessa Igreja
libertada e salva, irmã nossa, que vive e sente como nós e é
ressuscitada como nós, mesmo sendo a mãe de nosso Salvador e por isso é
também nossa mãe. A mulher que gritava entre espasmos, experimenta uma
dupla maternidade, no dia do nascimento do seu Filho e no dia de sua
crucifixão e morte, pois o autor do quarto evangelho a vê também junto à
cruz no dia em que lhe arrebataram o Filho (cf. Jo 19, 25-27).
“Apareceu então outro sinal no céu: um grande Dragão, cor de fogo... O
Dragão postou-se diante da Mulher que estava para dar a luz, a fim de
lhe devorar o filho, tão logo nascesse.” (Ap 12,3-4) A Mulher do
Apocalípse reúne todas as esperanças das pessoas, toda nossa história de
ilusões e desencantos, todo o caminho que a humanidade realizou desde o
princípio com seus acertos e suas dificuldades. Mas o dragão espera em
frente à mulher, diante da humanidade, disposto a devorar a criança,
disposto a fazer impossível que as suas esperanças se convertam em
realidade. O Dragão é tudo aquilo que no mundo impede que as pessoas
possam viver de verdade a esperança. E não só isso: também toda
enfermidade, toda impotência ante nossas limitações, e finalmente a
morte.
Quando o Apóstolo Paulo enfrenta os que negam a ressurreição dentre
os mortos, se apóia na ressurreição de Cristo: “Cristo ressuscitou dos
mortos, primícias dos que adormeceram.” (1Cor 15,20)
É um grito de vitória, uma afirmação desafiante frente aos que
afirmam que depois da morte não há nada. Cristo ressuscitou, há uma vida
nova, nele se resolve o drama da humanidade; por isso é daqui que se
arranca a verdadeira teologia da Assunção, quer dizer, da ressurreição
de Maria. Porque a Assunção não é outra coisa que a ressurreição, que
tem na de Cristo seu modelo, o mesmo que sucederá conosco. Iniciava-se
assim o desfile triunfal dos vencedores, tendo Jesus como primícias e
seguido de Maria e todos os outros quantos vão atrás e que têm que
esperar ainda o último dia, quando o Senhor voltará glorioso e julgará
vivos e mortos. Sem dúvida, há uma exceção a essa regra, Maria
Santíssima. Ela foi concebida sem pecado e, portanto, era lógico que não
se submetesse ao poder da morte como as outras pessoas. Assim o
reconheceram os cristãos desde os primeiros tempos. Por fim, a Igreja,
em 1950 se pronunciou solenemente e por meio do Papa Pio XII declarou o
dogma da “Assunção de Maria aos céus”.
No evangelho (Cf. Lc 1, 39-56) contemplamos o “Magnificat”, o
cântico-oração da Virgem Maria expressa nos primeiros momentos da sua
visita a Isabel. Não há em toda a Escritura outra oração que ofereça uma
tão grande transcendência profética. As gerações posteriores a Maria se
tem prostrado ante a maravilha que foi sua vida na terra, como Mãe de
Deus e cantora profética da redenção.
É um cântico de “mulher” e como tal, forte, penetrante, espiritual e
teológico. É um canto para saber que a morte não tem a última palavra. É
um canto a Deus, e isso se nota. Não se trata de uma oração egocêntrica
de Maria, um canto de liberdade. De alguma maneira, também assim o
concebeu Lucas, seja ou não seu autor último. Não seria adequado agora
desentranhar a originalidade literária deste cântico; se é um cântico de
Maria ou de Isabel, tomado do de Ana, a mãe de Samuel (cf. 1Sam 2,1-10)
quase pelos mesmos benefícios de um filho que acaba com a esterilidade
materna. Na realidade existem indícios de que podia ser assim, mas a
maioria pensa que Lucas atribui a Maria a causa da bênção como resposta
às palavras de Isabel, assim ficará para sempre. É um cântico de uma
enamorada de Deus. Lucas quis mostrar-nos com este cântico uma jovem
que, depois do que “passou” na Anunciação (cf. Lc 1, 26-38) é uma jovem
“apaixonada de Deus”. Essa é sua força. Ela entrega a Deus seu sonho,
sua maternidade, seu amor, sua pessoa. Ela é plenamente entregue à causa
de Deus.
É um cântico para mostrar que, se se conta com Deus na vida, tudo é
possível. “Ele olhou para a humilhação de sua serva.” (Lc 1,48) Maria no
“Magnificat” se reconhece que “o Todo-Poderoso fez grandes coisas em
meu favor” (Lc 1,49). Primeiramente, a plenitude da graça de ser
concebida sem pecado, graça que a acompanhou ao longo de sua existência
terrena. Depois, o mistério da maternidade divina, maravilhoso gesto de
amor do Pai a Maria e à humanidade inteira. As coisas grandes de Deus em
Maria não terminam com o nascimento de Jesus; Deus segue atuando com
sua grandeza na alma e na vida de Maria, e a última dessas grandes
coisas de Deus nela será precisamente a assunção em corpo e alma à
glória celestial. Maria é a possuída pela graça, no corpo e na alma, a
imaculada, na qual nada há de corruptível, porque tudo em sua pessoa é
graça, puro dom de Deus operado em Maria.
Este cântico é libertador, alguém já chamou Maria de revolucionária,
por causa desta oração, mas isso é só um conceito relativo, vale mais
dizer que ela é portadora da justiça divina. Deus é a força dos que não
são nada, dos que não têm nada, dos que não pertencem aos poderosos. Não
prevalecem junto a Deus os orgulhosos ou soberbos, por isso “Ele depôs
poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou. Cumulou de bens os
famintos e despediu ricos de mãos vazias.” (Lc 1,52-53) Porque suas
riquezas, muito provavelmente, provêm da exploração dos pobres.
Despedi-los de mãos vazias, é simplesmente, fazer justiça.
Mas, Maria, com toda sua grandeza, não é uma mulher diferente das
outras mulheres da terra. Ela é inteiramente mulher, não um ser superior
vindo de outro planeta nem uma criatura sobrenatural caída do céu. Ela
se apresenta no Evangelho com todas as características de sua
feminilidade e de sua maternidade em circunstâncias históricas
concretas, às vezes pintadas pela dor, outras coroadas pela alegria.
Sente como mulher, raciocina como mulher, sofre como mulher, ama como
mulher. Sua grandeza não procede dela, senão da obra maravilhosa de
Deus, isso acolhida fielmente por Maria. Sua Assunção em corpo e alma ao
céu não a distância de nós, e a faz mais poderosa para olhar para
todos, seus irmãos e irmãs, com olhos de amor e de piedade. Sua presença
gloriosa no céu nos fala não só de um privilégio de Maria, senão de um
chamado que Deus faz a todos para participar dessa mesma vida na
plenitude de nosso corpo e de nossa alma. Como mulher de nossa raça, ela
é a figura mais sublime de humana criatura ao mesmo tempo em que é a
mais terna e maternal.
Jesus e Maria, sua Mãe, já passaram a porta do céu com a plenitude de
seu ser. Nós estamos, todavia no umbral, vivendo na espera e esperança,
mas com a segurança de que chegará o momento em que a porta se abrirá
para todos e começaremos a viver em um mundo novo. Não é sonho, não é
simples promessa. É realidade que esperamos com absoluta confiança no
poder de Deus. A Assunção de Maria é garantia de nossa esperança. Não é
algo deveras maravilhoso que o destino glorioso de Maria seja também
nosso último e definitivo destino?
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Carvajal, Francisco Fernandez. Falar com Deus, meditações para cada dia do ano, vol. 7. São Paulo, Quadrante, 1992.
Tavard, George H. As múltiplas faces da Virgem Maria. São Paulo, Paulus, 1999.
Disponível no site da Diocese de Campina Grande
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