Os discípulos de Jesus de todos os tempos têm uma grande responsabilidade: “Vós sois o sal da terra; vós sois a luz do mundo”. (cf. Mt 5,13-16)
Em que sentido os cristãos são sal e luz? O mundo não se contenta em ouvir palavras bonitas, quer ver fatos. O cristão é chamado a continuar a ação do seu Mestre, verdadeira “luz do mundo”. (cf. Jo 8,12)
“Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se tornar insosso, com que salgaremos?...” (Mt 5,13) Trata-se de uma imagem doméstica muito familiar para os ouvintes de Jesus daquele tempo, já que lhes recordava os antigos fornos de barro os quais para acendê-los se utilizava o sal. Esse sal quando se desgastava, ficava sem serventia.
O sal era um elemento tão importante na sociedade romana que, até a palavra “salário” derivava-se do costume romano de pagar aos soldados com uma ração determinada de sal. Também o sal era necessário antes dos sistemas de refrigeração para evitar a deterioração dos alimentos e para dar-lhes sabor. Nos primeiros séculos do cristianismo, quando era costume retardar o batismo até a idade adulta, as famílias cristãs esfregavam os lábios do recém-nascido com sal.
Quando Jesus diz aos seus discípulos que devem ser o sal da terra, Ele está lhes dizendo que não se deixem corromper, que lutem contra a corrupção, e que deem sabor cristão a tudo o que dizem e fazem.
Para não ser corrompidos é necessário ter a alma como que “blindada” com o sal do Evangelho, porque é facílimo deixar-se contaminar pela corrupção generalizada de nossa sociedade. Corrupção nas palavras e nas obras, corrupção na vida privada e na vida pública. Às vezes dá a impressão de que só não são corruptos unicamente os que não o podem e não o sabem sê-lo. Sem generalizar de mais, claro, mas sim reconhecendo que a corrupção é um fenômeno bastante generalizado em todos os âmbitos da sociedade. Se os cristãos querem ser sal da terra, devem lutar contra esse fenômeno da corrupção. E dar sabor cristão a tudo o que pensarmos, dissermos e fazermos.
“Vós sois a luz do mundo... ninguém acende uma lâmpada e a coloca debaixo de uma vasilha, mas sim, num candeeiro, onde brilhe para todos, que estão na casa.” (Mt 5,14-15) A luz de Cristo não só deve iluminar-nos a nós, os cristãos, mas devemos iluminar com nossa vida a sociedade na qual vivemos. Viver iluminados pela luz de Cristo é viver em contínua e constante luta contra a mentira, que habita facilmente em nós mesmos e contra as múltiplas mentiras com as quais desde o café da manhã até a noite, cada dia escutamos e lemos nos meios de comunicação.
Como a corrupção também a mentira podemos dizer que se instalou poderosamente em nossa sociedade: as mentiras dos políticos, mentiras dos empresários, as grandes mentiras dos que estão acima e as pequenas mentiras dos que vivem na base social. Lutar contra a mentira, no cristão, é ser autêntico, sincero, honesto e responsável consigo mesmo e proclamar a verdade do Evangelho em voz alta e crítica frente às vozes mentirosas e interessadas da sociedade na qual vivemos. Em definitivo, viver na luz de Deus, na luz de Cristo, é viver convertido à verdade de Cristo.
Para mim esse “candeeiro” onde se coloca a luz me recorda esses lugares, esses âmbitos da vida e da sociedade onde se tomam as grandes decisões que nos afetam a todos. Estar nesses lugares é estar aí iluminando, mas não como qualquer luz, mas sim a luz de Cristo, a luz do Evangelho, evangelizar.
Quando falamos de “evangelizar” quase sempre o entendemos em chave doutrinal: levar a doutrina de Jesus Cristo contida no catecismo da Igreja àqueles que não a conhecem. Mas, evangelizar não significa só anunciar verbalmente uma doutrina, mas sim, fazer presente na vida das pessoas a força iluminadora, humanizadora e libertadora que se encerra no acontecimento e na pessoa de Jesus Cristo. Para isso é necessário contar com pessoas que sejam testemunhas vivas do Evangelho em sua vida diária, em sua família, em seu lugar de trabalho ou de lazer, em seu bairro, na sociedade civil. Pessoas capazes de sanear a sociedade introduzindo nela valores morais e éticos como a honestidade, a verdade e tantos outros; que não se deixem corromper pela ambição desenfreada do dinheiro, nem pelo atrativo do lucro ou do sucesso. Pessoas que desenvolvem a solidariedade responsável frente a tantos corporativismos; pessoas que introduzam a compaixão numa sociedade desapiedada que parece reprimir cada dia mais a “cultura do encontro”.
Mas, para isso devemos “sair”. Uma nova evangelização implica ir ali onde se vive a vida de cada dia e olhar o mundo como Deus o olha: às vezes com olhos de compaixão e outras com olhos de indignação. E isso implica também não ter medo de dialogar com a sociedade e mesclar-se com outros grupos ou pessoas de qualquer ideologia que trabalham por um mundo melhor: associações, organizações não governamentais, sindicatos, partidos políticos etc. Nosso sal se torna insosso se não salgamos; nossa luz não ilumina se fica escondida. A luz pela sua natureza, é feita para iluminar, para mostrar visível e publicamente, não para ficar escondida ou no anonimato.
À luz dos verdadeiros cristãos, sua prática de uma justiça generosa e misericordiosa, deve iluminar a sociedade na qual vivemos. Distinguimos-nos precisamente os cristãos, dentro de nossa sociedade, por sermos pessoas especialmente generosas, misericordiosas e justas, tal como nos recomenda hoje o profeta Isaías (cf. Is 58,7-10) e tal como viveu e praticou nosso Mestre e Senhor? Também nossa sociedade de hoje pode dizer, como nos primeiros tempos do cristianismo, que nos cristãos se nos nota nossa condição cristã, pelo amor generoso e desinteressado que temos e mostramos em nosso comportamento diário? Porque uma Igreja que não mostre e demonstre seu amor para com os mais pobres, nos disse o Papa Francisco, não é a Igreja de Cristo.
Temos em nossas mãos o sal do amor e a luz da fé. É-nos dado por Deus para fazer maravilhas no mundo. Hoje podemos nos perguntar: onde faz falta ser sal ou luz? Onde eu faço falta? Onde está fazendo falta meu amor e minha fé? Que nos façamos presente na sociedade sem perder nossa identidade cristã, sem esconder nossa condição de seguidores de Jesus. Se nos conformarmos com ser cristãos só aqui, dentro do templo, deixaremos de ser a luz do mundo. Se reduzirmos nossa fé ao “saleiro” de nossa vida privada, seremos um sal insípido e uma luz escondida.
“Brilhe a vossa luz diante dos homens para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos céus”. (Mt 5,16) “Brilhemos!” Que brilhe nosso sal (amor) e nossa luz (fé) diante das pessoas. Aqui está uma característica importante do testemunho cristão: a “transparência”. Os cristãos devem praticar as obras que não concentrem a atenção sobre quem as cumpre, mas devem dirigir o olhar para o Pai. Como o profeta Isaías nos indica: “Reparte o pão com o faminto, acolhe em casa os pobres. Quando encontrares um nu, cobre-o, e não desprezes a tua carne. Então brilhará tua luz como a aurora.” (Is 58,7-8)
Não somos sal e luz só com palavras, mas com obras, não as obras do poder e da “mídia”, mas do amor aos pobres, nossa opção preferencial.
Texto do;
* Padre José Assis Pereira Soares é párcoco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, no bairro da Palmeira.
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